15.1.09







2.10.08

O Homem que Desafiou o Diabo
[ou: como tem gente que ganha dinheiro fazendo uma coisa dessas?]

Tudo que é possível dizer é: uma das piores coisas que o cinema brasileiro produziu em toda a sua história.

Ficha Técnica (ou Os Culpados)

Título Original: O Homem que Desafiou o Diabo
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 106 (intermináveis) minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 2007
Site Oficial: www.warnerbros.com/ohomemquedesafiouodiabo
Estúdio: Warner Bros. / Globo Filmes
Distribuição: Warner Bros.
Direção: Moacyr Góes
Roteiro: Bráulio Tavares, Moacyr Góes e Nei Leandro de Castro
Produção: Luiz Carlos Barreto, Lucy Barreto, Paula Barreto e Fábio Barreto
Fotografia: Jacques Cheuiches
Direção de Arte: Clóvis Bueno
Figurino: Bia Salgado

Elenco

Marcos Palmeira (Zé Araújo "Ojuara")
Flávia Alessandra (Mãe de Pantanha)
Fernanda Paes Leme (Genifer)
Lívia Falcão (Dualiba)
Sérgio Mamberti (Coronel Ruzivelte)
Renato Consorte (Turco)

17.5.08

Iron Man
[ou how fragile we are]


Tony Stark tem tudo que todo homem um dia sonhou na vida. É rico. Muito rico. Muito, muito, muito rico. Podre de rico. Poderoso. Poderosíssimo. Muitíssimo poderoso. Não é lindo de morrer, mas tem charme. O charme dos muito fodões. É gênio. Muito gênio. Geniíssimo. Tem um big, big jato, cheio de aeromoças que deixariam Gisele Bundchen se achando um bucho. Os carros de Tony Stark não existem de tão espetaculares. A casa de Tony Stark é a casa das casas. The big one. Tony Stark é capa de todas as revistas dos poderosos da América. Tony Stark consegue tudo que quer. Tony Stark é o homem que todo homem sempre quis ser. Tony Stark é senhor da vida e da morte. Tony Stark é o dono do mundo. E é aí que Iron Man ultrapassa a condição de ser, apenas, um filme de super-herói para adolescentes e passa a ser um filme sobre a fragilidade masculina. Iron Man é, muito mais, um filme para homens. Um filme para adultos.
Está tudo lá. O coração falhando e precisando de ajuda externa para se manter batendo. A descoberta da “finitude”. O questionamento do que se fez e do que não se fez na vida. A necessidade de criar uma armadura para ser mais forte, para ir além. A descoberta de que se é humano e, portanto, de que é preciso uma armadura sólida para enfrentear o mundo que, lá fora, não entende mais você, seus sonhos, não concorda com você e quer te destruir. A armadura não é prisão: é liberdade.
Há muitos simbolos em Iron Man. Uma das sequências que mais gosto é a em que Peppers, a secretária bonita e dedicada, mexe e remexe no peito vazio de Tony Stark, lambuza os dedos com o que está lá dentro e sente nojo, mas tira o mecanismo que o mantém vivo e coloca um novo. Mais brilhante, mais forte. Ele sente algo parecido com um choque. Porque ela o fez renascer, ela mexeu no coração dele como nunca alguém fez. E ele deu o "coração" antigo para ela, que o guardou em uma caixa de vidro. E, mais tarde, o presente que ele deu a ela o salvou.
Iron Man é repleto de metáforas sobre o mundo masculino. Somos, sim, eternos meninões, loucos por tecnologia e com vontade de sermos mais fortes, mais poderosos. Somos vaidosos como Tony Stark, e usamos máscaras de ferro para parecermos mais fortes do que somos. Tadinhos, nem somos. Temos medos. Muitos. Medo, por exemplo, de ficarmos carecas. Não é a toa que os vilões de Iron Man são carecas. Está no nosso imaginário. Herói? Cabeludo, cabelos esvoaçantes. Vilão? Careca, feio. Inseguranças masculinas, queridas.
A trilha de Iron Man é trilha de homem. Black Sabbath dá as caras num rearranjo fenomenal de Ramin Djawadi, que dá o tom de todo o filme. Por mais que a homaiada hoje se ache e diga que é sensível (e, fim dos tempos!, há quem goste de dar uma abaixadinha ao som do pagode da moda), homem de verdade adora a energia e a força de um bom riff de guitarras e baixo. Não dá para não se sentir mais forte e "macho". Desculpem, moças, acho que vocês não entendem.
É perfeita a escolha de Robert Downey Jr para ser Tony Stark. Há, entre eles, uma proximidade impressionante. Robert Downey Jr é uma espécie de Tony Stark do cinema. Teve tudo, muito cedo. Fama. Dinheiro. Sucesso. Muito sucesso. Depois de Chaplin, drogas. Muita droga. E o limbo. Renasceu, assim como renasceu Tony Stark, com Iron Man. E, se Tobey McGuire e sua cara meio enjoadinha de menino são a cara do Homem Aranha para sempre, e Cristopher Reeve é, definitivamente, o Superman, Robert Downey Jr é, a partir de agora, Iron man.
E Tony Stark é tão masculino, tão real, tão próximo de nós, que está resumido na última sequência do filme e em sua última fala. Mesmo depois de tudo, de tentar se redimir dos erros, de descobrir o amor, de lutar pela justiça, de descobrir a verdadeira amizade, de construir uma vida nova a partir dos 40, no final reassume sua condição de homem. Num acesso de vaidade, diz para todo mundo: “i am Iron Man”.
Ninguém é de ferro. Nem o Iron Man. Que frágeis, nós somos.

Ficha Técnica

Título Original: Iron Man
Gênero: Aventura
Tempo de Duração: 126 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Site Oficial: www.homemdeferro.com.br
Estúdio: Dark Blades Film / Marvel Entertainment / Road Rebel
Distribuição: Paramount Pictures / UIP
Direção: Jon Favreau
Roteiro: Art Marcum, Matt Holloway, Mark Fergus e Hawk Otsby, baseado em personagens criados por Stan Lee, Don Heck, Jack Kirby e Larry Lieber
Produção: Avi Arad e Kevin Feige
Música: Ramin Djawadi
Fotografia: Matthew Libatique
Desenho de Produção: J. Michael Riva
Direção de Arte: Suzan Wexler
Figurino: Rebecca Bentjen e Laura Jean Shannon
Edição: Dan Lebental
Efeitos Especiais: Industrial Light & Magic / The Orphanage / Lola Visual Effects / The Embassy / Pixel Liberation Front / Stan Winston Studio / Gentle Giant Studios

Elenco

Robert Downey Jr. (Tony Stark / Homem de Ferro)
Terrence Howard (Tenente-coronel James "Jim" Rhodes)
Jeff Bridges (Obadiah Stane / Monge de Ferro)
Leslie Bibb (Christine Everhart)
Shaun Toub (Yinsen)
Faran Tahir (Raza)
Sayed Badreya (Abu Bakaar)
Bill Smitrovich (General Gabriel)
Clark Gregg (Agente Phil Coulson)
Tim Guinee (Major Allen)
Gwyneth Paltrow (Virginia "Pepper" Potts)
Kevin Foster (Jimmy)
Garett Noel (Pratt)
Eileen Weisinger (Ramirez)
Ahmed Ahmed (Ahmed)
Gerard Sanders (Howard Stark)
Jon Favreau (Hogan)
Thomas Craig Plumer (Coronel Craig)
Samuel L. Jackson (Nick Fury)
Stan Lee

24.1.08

P.S. Eu Te Amo
[ou o amor não é só isso, baby]



ATENÇÃO: SPOILERS DO COMEÇO AO FIM!

Eu gosto da idéia das cartas que chegam após a morte de Gerry, apesar da solução infeliz para o mistério de como elas eram enviadas. Eu gosto da cena inicial, da briga de Gerry e Holly, que é uma cena meio idiota, com reações meio idiotas, com motivos idiotas e com um happy end à tal briga que faz com que ela pareça, realmente, uma briga idiota e por motivos idiotas, comuns a qualquer casal. Eu gosto da música do The Pogues. Eu gosto do segundo karaokê de Holly no bar. Eu gosto da Irlanda. E eu até que gosto de um certo carisma de Gerard Butler como Gerry. E é só o que eu gosto em P.S. Eu Te Amo.
P.S. Eu Te Amo é um filme covarde. Covarde porque não tenta mostrar se o amor de Holly sobreviveria à dor, à debilitação física e ao sofrimento de Gerry, e apela para a lágrima fácil e a conclusão “morreu tão lindo, jovem e perfeito, de uma hora para outra, meu Deus!”. Covarde porque apela para o jeito Ghost de fazer cinema e mostra a pobre mocinha conversando com o falecido, sentindo seu abraço e se sentindo confortável com o calor inexistente do amado, ao invés de mostrar o incômodo eterno e permanente de quem ama de verdade e perdeu a possibilidade do reencontro. Covarde porque coloca a mocinha sofredora em um pub com duas amigas trintonas tolas e fúteis, que ninguém sabe o que fazem para ganhar a vida e só pensam em encontrar o homem pra chamar de seu e tirar o pé do lamaçal da solteirice, e que ficam o tempo todo empurrando a viuvinha para o primeiro bonitão que aparece. Covarde porque insiste em colocar na tela homens que são “tudo aquilo que uma mulher deseja”, e não homens reais, barrigudos, frágeis, covardes, tímidos, carecas, pobres ou que cantam mal. Covarde porque coloca Holly em um barco com as duas amigas tolas, remando como se nunca tivesse feito outra coisa na vida e, depois, perdendo os remos como se mulheres fossem idiotas. E, pior, sofrendo depois de ficar sabendo que as duas amigas acabam de encontrar tudo o que uma mulher precisa na vida: uma, um casamento; a outra, uma gravidez do homem que ama. E, pior dos piores: as três são salvas por um irlandês delicado (o que, por si só, já é uma incoerência: irlandês e delicado, impossível), lindo de morrer, que sabe fazer de tudo: toca, canta, salva mocinhas indefesas, anda de jet ski, corta lenha, elogia o macarrão alheio, tem a bunda linda (do ponto de vista feminino, bem claro), leva a mocinha pra cama na primeira noite, é o melhor amigo do defunto e, além, de tudo, conversa depois do sexo. É um filme covarde, porque coloca o barman Daniel (péssima interpretação, mas o melhor dos personagens) como o homem que não serve, pois ele é amigo. Amigo e inseguro. Amigo, inseguro e looser. Daniel perdeu a mulher que amava para outra mulher. Percebeu? Percebeu?
P.S. Eu Te Amo é um filme covarde, porque fez do primeiro encontro de Gerry e Holly uma grande bobagem, talvez só superada pela seqüência do estádio, que tinha tudo para ser a melhor do filme e uma das grandes do cinema, e virou uma piada tola. É covarde porque levou Holly, agora acompanhada pela mãe, de volta à Irlanda, e as duas encontram uma nova chance: uma, ao reencontrar o dadivoso e belo ex-melhor-amigo-do-defunto. Outra, ao conhecer um velho fazendeiro irlandês espirituoso e de olhos azuis.
Até mesmo Como Se Fosse a Primeira Vez é mais corajoso, mais delicado, mais emocionante. P.S. Eu Te Amo é uma tolice, que tinha tudo para mexer com tanta coisa e a única coisa que faz é ter um roteiro onde o roteirista parece dizer “agora, chorem!/agora riam/agora sonhem”, e que parece ter tido a consultoria de uma adolescente de 15 anos. Só poderia partir de gente que nunca sentiu o que é uma dor desesperada pela ausência, o que é um amor realmente eterno a mensagem que fica: a de que um grande amor é como táxi em aeroporto; se passar um, siga a vida, que aparece outro em seguida.Tolice de quem nunca amou com uma profundidade maior que a de um pires.
Pode até ser que, no fim de tudo, eu esteja absolutamente errado. Afinal, enquanto eu via o filme o que mais ouvi foi snifs e funcs e “oh, meu Deus, que lindo”. Vou desconsiderar, porque me pareceu que a maioria das choronas no cinema tinha o perfil de quem torce para a Gyselle no Big Brother.
Mas, sinceramente, quero crer, continuar acreditando, que as grandes mulheres, as mulheres realmente interessantes, esperam mais da vida do que aquilo que está ali.

Ficha Técnica

P.S. I Love You, 2007

Direção: Richard LaGravenese
Roteiro: Cecelia Ahern (romance), Richard LaGravenese (roteiro), Steven Rogers (roteiro)
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Origem: Estados Unidos
Duração: 126 minutos
Tipo: Longa

Elenco

Hilary Swank (Holly Kennedy)
Gerard Butler (Gerry Kennedy)
Lisa Kudrow (Denise Hennessey)
Gina Gershon (Sharon McCarthy)
James Marsters (John McCarthy)
Kathy Bates (Patricia)
Harry Connick Jr.(Daniel Connelly)
Jeffrey Dean Morgan (William)
Dean Winters (Tom)

10.10.07

Tarantino's Mind - Parte I

Elenco: Selton Melo, Seu Jorge
Direção: 300ml
Produtora: Hungry Man

10.9.07

O Ultimato Bourne
[ou: um é pouco, dois é bom, três é excelente]

Na remota possibilidade de que um dia minha vida se transforme em um roteiro de cinema, deixo aqui o recado: quero, na trilha da minha cinebiografia, Adiós Nonino, com Astor Piazolla, e prefiro um dos dois seguintes diretores para dirigi-la: Fernando Meirelles ou Paul Greengrass. Digo isso depois de ver o que Greengrass fez com O Ultimato Bourne, o filme que salva a idéia da moda no cinema, que são as trilogias. Ou, pelo menos, mostra que não necessariamente existe sempre a síndrome da terceira filmagem, na qual o primeiro filme é excelente, o segundo até que vai e, o terceiro, ai que sono.
Um ou outro purista vai dizer que a câmera nervosinha de Paul Greengrass devia tomar um Lexotan de vez em quando. Mas, no caso do Ultimato, deixa ela estar lá, correndo atrás de Jason Bourne mundo afora, que está muito bem. E olha que Jason Bourne corre, e muito. A Europa é uma cidade do interior de Rondônia para Bourne, que vai de Moscou para Praga, de Praga para Roma, de um lado para outro, como quem vai de casa ao centro da cidade comprar umas cuecas em promoção.
E Jason Bourne? Bem, Jason Bourne não faz gracinhas com uma granada na boca, como John Mclane, nem mata seus inimigos com uma traquitana pardaliana em uma mão enquanto passa a outra mão na bunda da oferecida de plantão, como o “old” Bond; nem tem músculos de Rambo, nem capa vermelha nem roupinha brega de super-herói. Ele, o nosso Bourne, não sabe direito quem é, nem porque faz o que faz, nem porque sabe o que sabe, nem porque tem de fugir de tanta gente.
E em o Ultimato Bourne a história desse cara meio caladão, que não dá um sorriso sequer em todo o filme, se fecha de maneira bastante verossímil (claro, dentro do que pode e deve ser verossímil no cinema) e, de forma estranhamente agradável, se fecha sem se encerrar. Tudo está bem arrumadinho no roteiro, tudo se encaixa bem gostosinhamente, e a gente até perdoa um certo ar maniqueísta na disputa entre os dois diretores da CIA: um quer matar o Bourne, e é o agente mau; a outra quer salvar o Bourne, e é a agente boa, o lado mamãe dos defensores da pátria americana. Está perdoado. O Ultimato é tão, mas tão bom de se ver, que se mexesse, estragava. Porque, se fosse absolutamente perfeito, seria um saco. A vida não é perfeita. Porque um filme de espionagem deveria ser?
A trilha. Sim, a trilha. Ao contrário de boa parte dos filmes, onde a trilha segue o ritmo da ação, aqui a trilha parece comandar a ação. Enerva, irrita, tensiona, relaxa, alegra. Tudo na hora adequada. Se não tem uma canção poderosa, daquelas que a gente sai cantando, melhor. Não é videoclipe, é cinema. E John Powell acertou a mão e fez uma trilha realmente de cinema. Que chama a atenção sem se sobrepor. Que acompanha sem ser rebocado pelo filme. Primorosa.
Li, ou vi, ou ouvi em algum lugar, que Jason Bourne não deverá entrar para a galeria definitiva dos super agentes ou dos super qualquer coisa. E que a Trilogia Bourne não será mitológica como os Rambos I, II, III, IV, V, ou os 007, ou Die Hard. Pode até ser. Mas a Trilogia Bourne e, em especial, O Ultimato Bourne, vai entrar, sim, na galeria dos filmes que não se deve perder de jeito nenhum, porque se as trilogias que estão aí costumam acabar com ar de que deviam ter parado no primeiro, mesmo, Jason Bourne se vai (até segunda ordem) dando na boca um gostinho de quero mais porque está ótimo.

Ficha Técnica

Título Original: The Bourne Ultimatum
Gênero: Ação
Tempo de Duração: 111 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2007
Site Oficial: www.thebourneultimatum.com
Hot Site: www.adorocinema.com/hotsites/bourne
Estúdio: Universal Pictures / Ludlum Entertainment / Bourne Again / The Kennedy/Marshall Company
Distribuição: Universal Pictures / UIP
Direção: Paul Greengrass
Roteiro: Tony Gilroy, Scott Z. Burns e George Nolfi, baseado em estória de Tony Gilroy e em livro de Robert Ludlum
Produção: Patrick Crowley, Frank Marshall e Paul Sandberg
Música: John Powell
Fotografia: Oliver Wood
Desenho de Produção: Peter Wenham
Direção de Arte: Grant Armstrong, Robert Cowper, Peter James, Andy Nicholson, David Swayze, Jason Knox-Johnston e Sebastian T. Krawinkel
Figurino: Shay Cunliffe
Edição: Christopher Rouse
Efeitos Especiais: The Senate Visual Effects / Snow Business / Lip Sync Post

Elenco
Matt Damon (Jason Bourne)
Julia Stiles (Nicky Parsons)
David Strathairn (Noah Vosen)
Scott Glenn (Ezra Kramer)
Paddy Considine (Simon Ross)
Edgar Ramirez (Paz)
Albert Finney (Dr. Albert Hirsch)
Joan Allen (Pamela Landy)
Tom Gallop (Tom Cronin)
Corey Johnson (Wills)
Daniel Brühl (Martin Kreutz)
Joey Ansah (Desh Bouksani)
Colin Stinton (Neal Daniels)
Dan Fredenburgh (Jimmy)
Lucy Liemann (Lucy)
Chris Cooper (Alexander Conklin)
Brian Cox (Ward Abbott)

2.7.07

Pequena Gigantesca Miss Sunshine
[ou como pode um filme mexer tanto com você?]

Eu tenho uma família "desajustada". Para ser sincero, não sei exatamente se é possível chamar minha família de “família”. Não sei se ela se encaixa bem nesse termo. Aliás, aos olhos da maioria, eu não tenho “uma família”. Ouvi isso repetidas vezes e, normalmente, nas horas mais inadequadas ou das pessoas de que menos esperava. E isso dói.
Mas, sinceramente, prefiro minha família torta à maioria das “famílias” que existem por aí, com mamãe trabalhando no Tribunal e papai regando o jardim de calção no sábado à tarde. Tenho medo de famílias felizes de comercial de margarina. Minha família, torta, estranha, maluca, desajustada, é, à sua maneira, feliz. Feliz, inclusive (ou, dependendo do ponto de vista, principalmente), pelos momentos infelizes. Pelas ausências, pelas distâncias, pelos desencontros. E felicíssima pela eterna alegria do reencontro. Minha família não acredita em sucesso, fracasso, medo, vitórias nem em nada que cheire a naftalina. Minha família só acredita nos sonhos. E todos gostam do que são, vivendo cada um ao seu jeito e, estranhamente, todos de modo muito parecido. Estranha minha família. Que não se questiona. Que quase não se vê, espalhada por toda parte. Apenas se abraça, se beija, se toca, ri muito e canta e toca violão nas poucas madrugadas em que está reunida.
Mas e o que isso tem a ver com Little Miss Sunshine? Tudo.
Eu vi minha família na Kombi amarela. Eu me vi, cada hora sentado em um lugar diferente na Kombi amarela. Eu vi os meus e os nossos sonhos. Eu vi a buzina do velho Chevette de vó Luzia na buzina disparada da Kombi amarela. Eu vi meu avô Walter. Eu vi meu pai. Eu vi minha mãe. Vi Carol, Tiano, Rodrigo, Juliana, Lutiana, Érica, Marina. Eu vi Thiago. Vi June filha e June vó, e vi Rafaela. Vi Luana, Ieda, Ieva, Iana. Juca, Ana Paula. João Cláudio. Michele e Nicole. Vi Débora. Vi Cadú, Tuca, Rodrigão. Estavam todos lá. Naquela pequena e gigantesca Kombi amarela. E, engraçado: não é que nas horas mais inesperadas estavam, todos, empurrando a bendita Kombi amarela com a buzina gritadora, fazendo ela pegar no tranco e pulando, um a um, dentro dela pra seguir viagem?
E esse, esse é o segredo para se adorar a pequena e delicada obra-prima que é Pequena Miss Sunshine: é ver a Kombi amarela parar e parecer que vai dar tudo errado. É ver todos empurrando a Kombi, e todos pulando dentro dela, e todos seguindo em frente. É ver, naquela Kombi, naquele mundo que é a Kombi amarela de Little Miss Sunshine, os nossos. Cada um no seu mundo. Cada um com seus defeitos, seus erros e suas pequenas imbecilidades. Todos loosers aparentes. Mas, todos, na velha Kombi amarela com a buzina disparada.
Engano seu, cára-pálida: looser é o babaca que acredita em família perfeita e quatro sobrenomes na carteira de identidade. Família perfeita, família "ajustada" é, das duas, uma: hipocrisia coletiva ou cegueira voluntária.

Ficha Técnica
Título Original: Little Miss Sunshine
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 101 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2006
Site Oficial: www2.foxsearchlight.com/littlemisssunshine
Estúdio: Deep River Productions / Bona Fide Productions / Big Beach Films / Third Gear Productions LLC
Distribuição: Fox Searchlight Pictures
Direção: Jonathan Dayton e Valerie Faris
Roteiro: Michael Arndt
Produção: Albert Berger, David T. Friendly, Peter Saraf, Marc Turtletaub e Ron Yerxa
Música: Mychael Danna e Devotchka
Fotografia: Tim Suhrstedt
Desenho de Produção: Kalina Ivanov
Direção de Arte: Alan E. Muraoka
Figurino: Nancy Steiner
Edição: Pamela Martin
Efeitos Especiais: LOOK! Effects Inc.

Elenco
Abigail Breslin (Olive)
Greg Kinnear (Richard)
Paul Dano (Dwayne)
Alan Arkin (Avô)
Toni Collette (Sheryl)
Steve Carell (Frank)